Texto de C.F.A
Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo
não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te
permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no
começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia,
sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não
importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E
haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de
arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração.
Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e
velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás
devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse
vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os
dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E
morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a
doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos.
Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás
acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se
renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço
amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na
largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus
olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o
tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de
tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um
trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar,
contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça
de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta
e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de
desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes,
muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer
coisa assim:
- ... mastiga a
ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca
seca ...
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